Após repetidos convites do meu amigo Rita, acabei por aceder em o acompanhar à Escócia numa viagem com objectivo de caçar gansos e também pombos torcazes. Este convite agradou-me de sobremaneira pois sou um apaixonado da caça aos pombos e tinha também uma antiga aspiração de um dia vir a caçar gansos. Por outro lado, a Escócia fica “aqui tão perto” e a libra está relativamente barata, o que tornava a viagem bastante acessível. Com todos estes atractivos, só podia concordar, pelo que acabei por convidar o nosso amigo João, também ele um aficcionado na caça aos pombos, que ficou deveras entusiasmado em nos acompanhar.
Apesar dos escritos nas nossas revistas da especialidade, tanta vezes repetidos, afirmando ser extremamente complicado o transporte de armas de caça para o Reino Unido, o processo foi extremamente simples. Bastou enviar por e-mail cópia do Passaporte Europeu de Armas e do documento do seguro, com extensão para a Escócia, e, algum tempo depois, recebemos em casa uma licença da polícia, permitindo a entrada das armas e a sua utilização em acto de caça, por um período de três meses. Mais um e-mail para a companhia aérea e tudo ficou tratado. Com aquele documento, a própria burocracia necessária no aeroporto de Edimburgo, tanto à entrada como à saída, é perfeitamente irrelevante. O mesmo não se poderá dizer dos procedimentos necessários à saída com as armas, no aeroporto de Lisboa, onde, na melhor das hipóteses, temos de contar com mais uma hora no “check in” só para as despachar.
À chegada, com a habitual pontualidade Britânica, esperava-nos o nosso guia de caça, o Alan. Este é um homem muito experiente, com muitos anos de caça tanto na Escócia como na Inglaterra, sendo grande especialista na caça aos gansos. Para além destes e dos pombos torcazes, a sua organização trata de caçadas aos patos, perdizes, faisões, grouses e corços. Estávamos em boas mãos.
Após cerca de uma hora, chegámos ao hotel. A paisagem era fantástica. Ficava situado numa pequena aldeia muito antiga, Kinesswood, implantada junto de um lago o “Loch Leven”. Leven (onze, em escocês) por ter onze ilhas, onze rios e onze milhas de perímetro. Tudo estava na perfeição.
Na madrugada seguinte saímos noite cerrada, com uma enorme expectativa pelo que nos aguardava. O tempo estava óptimo. Chegados ao campo de caça, montámos a enorme quantidade de negaças, a que chamam “decoys”, simulando, de forma muito realista, gansos a alimentar-se. Estes campos foram previamente “cebados” de forma a fidelizar aí estas aves.
Fomos colocados numa vala, perto das negaças e não foi necessário aguardar muito. Assim que se começou a clarear um pouco a luz do dia, os gansos (Pink-footed Goose – Anser brachyrhynchus) começaram a chegar em bandos numerosos e muito ruidosos, com o característico “rec, rec…”. Vinham alimentar-se após permanecerem durante a noite no lago, que constitui reserva integral.
A sensação de ver os bandos a “caírem” de forma maciça sobre as negaças é indiscritível. Quem conhece a sensação de ver os pombos torcazes a descerem sobre a “armação”, poderá ter apenas uma pálida ideia.
Tratando-se de aves de grande porte, os tiros (40 g de chumbo 3) tinham de ser disparados a curta distância, pois se assim não fosse correr-se-ia o risco de as ferir gravemente sem as conseguir cobrar. Preferencialmente, a pontaria deveria ser feita à cabeça.
O guia ia trabalhando o apito bocal (chamariz) com mestria e os gansos foram caindo à voz de “shoot”, até ser dada ordem para parar, para evitar os excessos. De referir que em Setembro, mês em que ocorreu a caçada, ainda há muitos gansos novos e inexperientes, os que os torna mais vulneráveis. Em Dezembro ou Janeiro já estão muito mais “finos”, caindo no logro com muito maior dificuldade.
Terminada a caçada, foi necessário carregar o material e voltar rapidamente ao hotel para tomar um substancial pequeno almoço “à inglesa”, com bacon e ovos, e trocar os cartuchos e os “decoys” para irmos fazer o resto do dia aos pombos. No Reino Unido não se podem utilizar negas vivas, pelo que o “chamariz” consiste em pombos de plástico simulando estarem a comer no solo, acrescidos de pombos mortos, colocados aos pares numas varetas que vão rodando ao longo do dia em torno de um eixo vertical, accionado por um motor eléctrico, conferindo algum movimento ao conjunto. Toda a parafernália foi montada num campo de colza, com uma vista soberba, onde já tinha sido realizada a colheita e onde os pombos tinham muita querença.
Não foi necessário esperar muito, pois os torcazes (localmente chamados por “wood pigeon” ou “woodies”) não tardaram a entrar. Individualmente ou em pequenos grupos, quase sempre de “bico ao vento”, “faziam-se” às negaças com facilidade, permitindo realizar tiros muito divertidos.
O tiroteio foi interrompido pelo “almoço”, constituído por sanduíches e uma lata de bebida, e continuou até cerca das dezasseis horas, quando os “woodies” deixaram de entrar. Por volta dessa hora, o guia voltou para nos recolher, conjuntamente com todo o material.
Foram três dias de caça muito intensos, garantidamente do agrado de todos os que apreciam caçar com negaças. Em particular, a caça aos gansos foi fantástica, não só por constituir novidade, mas, sobretudo pela tremenda sensação de ver os bandos numerosos, compostos por aves de grande porte, caírem em massa sobre o local onde nos localizávamos, respondendo ao chamariz vocal realizado pelo guia.
Foi para mim um privilégio caçar na Escócia, entre amigos, numa paisagem magnífica, com gente que sabe caçar, mas também sabe receber. Até para o ano.
Paulo Santana
(publicado na revista “Caça & Cães de Caça”)