INTRODUÇÃO
Começo este artigo por confessar que o “nosso” pombo, chamado “de guizo”, durante anos, não me entusiasmou particularmente. A razão para esta falta de entusiasmo teve a ver com a sua enorme parecença com o pombo doméstico (columbia livia), tanto no porte como nas inestéticas barras. Numa primeira análise, esta semelhança retira-lhe alguma “nobreza” que todos valorizamos em pombos de raça.
Apesar disso, por ser prático, dada a facilidade de se conseguirem exemplares desta raça, mas sobretudo pela sua robustez, utilizei desde há bastantes anos, com enorme sucesso, este pombo como espanhola, para atirar ao ar com carapuça. A estrutura das suas penas, mais finas que os demais, faz com que se mantenham a “flutuar” com a carapuça colocada, durante mais tempo no ar, sem se afastarem do aguardo.
Mais tarde, pelas mesmas razões, utilizei-o também com o pombo de voo livre, juntando-o a um pequeno lote de Ternanos com barras que importei de Itália. Mais uma vez, o sucesso foi enorme. Apesar da ausência dos espelhos alares brancos que caracterizam aqueles italianos que referi e que lhes conferem alguma parecença aos torcazes em voo, na realidade os nossos Pombos de Guizo têm uma semelhança em voo bastante maior que aqueles. Isto acontece devido, sobretudo à maior dimensão das asas e à forma arredondada da sua extremidade, muito semelhantes aos torcazes e completamente diferentes dos pombos domésticos ou dos pombos-correio.
Aqui começou a minha paixão. Se nunca fui muito sensível ao “guizo” que apaixona muitos dos negaceiros portugueses, fiquei muito sensibilizado pela elegância e parecença com os torcazes em voo, demonstrando que, contrariamente ao que se poderia pensar à primeira vista, o Pombo de Guizo nacional foi objeto de acasalamentos seletivos ao longo de muitas gerações, tornando-o claramente diferente do seu parente original, o Pombo Doméstico. O meu “Bem Hajam” aos muitos negaceiros / criadores de pombos para negaça do nosso Alto Alentejo. O seu mérito é tanto maior se considerarmos que, salvo muito pequenas exceções, os pombos de Guizo não eram utilizados em voo-livre, o que torna mais espantoso o apuramento de uma raça que mostra todo o seu esplendor sobretudo quando voa e não quando está preso a uma vara.
HISTÓRICO
Uma pesquisa na internet e na bibliografia sobre as origens deste nosso pombo para negaça não deu qualquer resultado. Parece que, sobre este pombo, criado há várias gerações por negaceiros da zona de Montemor e sobretudo de Vendas Novas, não existem registos que permitam identificar a sua origem ou antiguidade. É lamentável que aqueles que fizeram um trabalho tão meritório na sua selecção, não tivessem escrito as suas experiências e os seus conhecimentos.
O mesmo se aplica ao registo das características morfológicas da raça. Também aqui não existe absolutamente nada. Curiosamente, o mesmo se passa com as raças italianas de pombos de vara. Apenas os franceses tem registado, com rigor, o estalão dos pombos Azul de Gascogne. Este tipo de registos é muito importante, pois permite que os criadores, de forma muito mais sistemática e organizada, possam fazer os seus acasalamentos de acordo com uma lógica de melhoria da raça comumente aceite por toda a comunidade de criadores. Trata-se de algo que nós, negaceiros portugueses temos de pensar para um futuro muito próximo, de forma a podermos preservar aquilo que também faz parte do nosso património cultural e cinegético, o nosso Pombo de Guizo.
CARACTERÍSTICAS MAIS MARCANTES
O Pombo (nacional) de Guizo apresenta, pela positiva, como características que o distinguem das outras raças de pombos para vara:
Robustez – Trata-se de um pombo particularmente robusto. Dotado de um porte mais reduzido que todas as outras raças de pombos de vara, para além da sua maior agilidade, consegue caçar, de forma muito intensa, durante todo o dia de sem apresentar sinais de cansaço.
Atitude na base da vara / poleiro – A postura do Pombo de Guizo, quando se encontra em descanso, é bastante mais direita / vertical que as dos outros pombos de vara. É claramente a postura que se aproxima mais dos pombos torcazes, também eles dotados de uma postura particularmente vertical quando se encontram pousados.
Guizo – É seguramente a característica mais marcante e que mais distingue este pombo de todos os outros. Embora de utilidade discutível, sobretudo se trabalharem em varas verticais, situação em que o torcaz é chamado desde grandes distâncias, não tendo, por isso, a capacidade auditiva necessária para distinguir o guizo, não deixa de ser relevante e apelativa.
De facto, todos os negaceiros gostam de ouvir o som característico destes pombos quando batem as asas. Por outro lado, este som consegue chamar a atenção de pombos que, por qualquer razão, possam passar perto da armação sem a ver (altura e direção de voo) e é também importante para quem trabalha com varas tradicionais ou com rolos em posições que não os consegue ver, mas consegue ouvir, por exemplo na copa da árvore da armação, pois permite saber que a vara está a trabalhar convenientemente.
Cor – É, a par com o Ternano italiano, o pombo de vara potencialmente mais escuro. Embora seja algo que depende do gosto pessoal, na verdade, um pombo escuro não só é mais semelhante aos torcazes, como tem as listas brancas (verdadeiras ou descoloradas) mais contrastantes e visíveis à distância do que um pombo claro, sendo por isso mais chamativo (façam a experiência).
Voo – Como já aflorado mais atrás, é o pombo que mais semelhança com os seus primos silvestres possui, quando em voo.
Pela negativa, assinalamos as seguintes:
Menor docilidade – efectivamente trata-se de um pombo que, normalmente, é bastante menos dócil que as restantes raças de pombos para vara. Este aspecto é muito importante, entre outras situações, sobretudo quando se arma a vara e se coloca o pombo na copa. Se por alguma razão o pombo sai da base e pousa na árvore, poderá constituir uma situação de difícil resolução.
Barras Negras – Embora se trate novamente de uma questão polémica, existindo opiniões muito diferentes, é minha convicção, decorrente da muita prática, que estas, para além de fortemente inestéticas, são indesejáveis, pois, sobretudo quando o pombo se encontra parado na base, tendem a não ser tão apelativas para os pombos torcazes em aproximação, pelo menos os mais experientes com o avanço da época, dada a diferença óbvia entre as duas espécies.
O FUTURO
Estabelecer um estalão
Para termos realmente bons pombos de vara nacionais importa começar por criar um grupo ou associação que defenda e promova a reprodução e o melhoramento das características do Pombo de Guizo português. Naturalmente que o passo imediatamente seguinte deverá ser o estabelecimento de um Estalão da raça e fazer concursos onde se avalia a conformidade dos espécimes com esse padrão. Estou certo que, se os criadores passarem a realizar os seus cruzamentos de acordo com essa lógica, o resultado será visível em relativamente poucos anos.
Docilidade
Embora se possam enunciar várias características que poderão ser melhoradas, no imediato deverá ser estimulado o apuramento de pombos cada vez mais dóceis. Trata-se de uma característica importante para os pombos de vara.
Barras Negras
Também a eliminação imediata das barras negras é algo que, na minha perspectiva, é altamente desejável. Não só aumenta a semelhança dos nossos pombos com os torcazes, tornando-os também esteticamente mais agradáveis, o que é importante, mas também porque permite uma muito maior aceitação nos criadores nacionais e também nos criadores estrangeiros. Em vez de importarmos raças estrangeiras, passaremos a exportar o Nosso Pombo, mas isso, de forma relevante, só será possível sem as barras.
Espelho alar branco
Se o efeito negativo que resulta da presença de barras é uma questão que pode levantar alguma discussão, a experiência da Paixão Azul prova, de forma completamente indiscutível, que o espelho alar branco, sobretudo acompanhado de algumas guias naturais “judiciosamente colocadas” é uma característica altamente atrativa para os torcazes.
Dado tratar-se de uma característica fácil de implementar nos “nossos” pombos de guizo, pois resulta de um gene não recessivo, não há razão para que não venha a ser incorporada nos nossos pombos.
O POMBO DE VARA IDEAL
Decorre do texto que acabo dos vos transmitir que considero que o Pombo de Guizo, sendo objecto de uma selecção cuidada, com tempo e muita paciência, poderá, dado o seu enorme potencial, tornar-se com relativa facilidade no POMBO DE VARA IDEAL.
Vamos todos trabalhar nesse sentido…