A MIGRAÇÃO DO POMBO TORCAZ
1.INTRODUÇÃO
Em 2012, a entrada de pombos torcazes invernantes na Península Ibérica, excedendo as previsões mais optimistas, fica caracterizada por enormes quantitativos migratórios, unicamente excedidos pelos verificados em 1999, primeiro ano em que se iniciaram as contagens nos Pirinéus.
A migração do pombo torcaz (columba palumbus), desde os seus países de origem até à Península Ibérica, é uma matéria apaixonante, ainda envolta em dúvidas e mistérios para os aficionados portugueses, motivo que levou a Paixão Azul a publicar um artigo reunindo toda a informação que entendeu relevante sobre o assunto.
2. AS CORRENTES MIGRATÓRIAS
O pombo torcaz é tão sedentário como migratório. A tendência para se tornar cada vez mais sedentário tem vindo a aumentar. São evidentes as crescentes populações existentes em muitas das cidades europeias.
Os ornitólogos consideram que existem duas sub-populações de pombos torcazes na europa. Por um lado, aqueles que nidificam no norte, oriente e centro da europa, que realizam a sua migração anual para os países com inverno suave, e por outro, os que nidificam no sul e na zona litoral atlântica da europa, que são sedentários.
Área de origem das grandes migradoras
Sedentárias
Quanto mais no deslocamos para sul, menor é o instinto migratório destas aves. Os pombos torcazes nascidos na zona centro da Europa, dependendo dos factores climáticos e dos recursos alimentares de que disponham, deslocam-se mais ou menos, mas quase sempre sem chegarem a passar os Pirinéus para Espanha e Portugal. A sua movimentação também é mais tardia do que a dos seus irmãos do norte, ocorrendo normalmente em Novembro.
Pequenas migratórias
A grande migração realiza-se essencialmente através de duas correntes distintas. Uma com origem na Escandinávia, na Finlândia, Europa de Leste e Sibéria Ocidental, sendo que as aves escandinavas cruzam um braço de mar existente entre a Suécia e a Dinamarca, pelo cabo sueco de Falsterbo, passando pelas ilhas dinamarquesas, enquanto que as restantes que compõem esta corrente central atravessam os países bálticos e a Polónia, juntando-se às primeiras na Alemanha. Toda esta corrente corta a França na diagonal, permanecendo no sul deste país ou entrando na Península através do País Basco, tendo, neste caso, como destino a costa sudoeste portuguesa (ver mapa).
As principais correntes migratórias
A segunda corrente tem origem na Europa de Leste e passa através da Suíça e do norte de Itália. Os pombos que não ficam em Itália ou no sul de França, ou se juntam no maciço central dos Pirinéus à corrente com destino a Portugal, ou atravessam aquelas montanhas na sua zona oriental, perto do Mediterrâneo, tendo como destino de invernada o sul de Espanha. Estes últimos normalmente não chegam a Portugal.
3. CONTAGENS
O Grupo para a Observação da Vida Silvestre (GIFS) desenvolveu uma ferramenta que permite realizar, com razoável rigor, desde 1999, a contagem dos pombos migratórios na sua passagem pelos Pirinéus.
Passagem dos Pirinéus
Este ano, passaram por aquela cadeia de montanhas que separa a Península Ibérica do resto do continente europeu, 2228652 pombos, número que, não chegando aos 2659519 de 1999, excede todos os outros verificados anteriormente (ver gráfico).
Observadores
Fonte: Gifs – France
O ponto máximo da migração, a famosa onda azul, neste ano, compreendeu quatro picos distintos:
• Uma primeira entrada em 17 e 18 de Outubro, um pouco tímida, com cerca de 160 000 pombos;
• Um segundo pico entre 22 e 24 de Outubro, já com cerca de 700 000 pombos;
• Um terceiro pico entre 28 e 31 de Outubro, com quase 800 000 pombos;
• Um quarto pico entre 7 e 8 de Novembro, com mais de 600 000 torcazes.
Tivemos ainda informação sobre mais uma entrada significativa, por volta do dia 13 de Novembro, coincidindo com o bom tempo que se fez sentir, mas já com as contagens encerradas.
Não duvidamos que um número muito significativo de pombos passa os Pirinéus em locais em que não é realizada a contagem. Estima-se que o quantitativo total de pombos torcazes que migram anualmente para Portugal e Espanha, deverá, em média, estar compreendido entre os 2,5 e 4,5 milhões de indivíduos.
Contagens realizadas nas principais dormidas na Península entre 14 e 16 de Dezembro de 2009 (esq.) e respectiva localização (dta.)
Conforme já referimos, existe um corredor na zona leste dos Pirinéus, junto do Mediterrâneo, por onde passa uma corrente muito importante de torcazes, que tem como destino de invernada o sul de Espanha, zona de Córdova / Sevilha, e que normalmente não chega a Portugal. Apesar de este corredor ser praticado por quantitativos significativos de torcazes, não é contabilizado pelo Gifs. Lembramos que no ano de 2010 em que foram contabilizados pouco mais de 900 000 pombos nos pontos de contagem tradicionais, contrariamente ao normal, grandes quantitativos passaram por este corredor, tendo sido um ano inesquecível para muitos caçadores do sul de Espanha.
Para melhor conhecer a migração, o Gifs organizou um grupo franco-espanhol-português que faz o seguimento das aves através de balizas Argos colocadas no seu dorso e controladas por satélite. Entre 2009 e 2011, cerca de dez pombos torcazes foram equipados com o referido equipamento nas zonas de invernada mais importantes. Entre nós, concretamente na ZCT da Aniza, alguns torcazes são equipados todos os anos por uma equipa da Gifs que se desloca ao local, normalmente em Dezembro. Esta é uma matéria que se reveste de muito interesse, justificando, só por si, um artigo dedicado, que esperamos publicar em breve.
Baliza Argos
4. A INVERNAGEM
No caminho para Espanha e Portugal, ao atravessar o maciço dos Pirinéus, os torcazes passam através de uma série de corredores em que os carvalhos permitem a sua alimentação até chegarem às áreas de invernada, onde a alimentação predominante é a bolota de sobro e azinho. Nestas montanhas, a entrada faz-se por passagens muito conhecidas como: Valcarlos e Echalar, do lado espanhol, e Urrugne (o passeio marítimo), Sare, Arneguy e Banca, do lado francês. Estas passagens consistem normalmente em vales com orientação nordeste / sudoeste, que, com a meteorologia mais adequada, normalmente vento sul fraco e dias soalheiros, criam as condições ideais para que as aves possam ultrapassar o obstáculo à sua migração que constitui a cordilheira dos Pirinéus.
O passeio marítimo
Se as condições meteorológicas não forem boas para os torcazes realizarem a travessia, como acontece em dias de vento muito forte, chuva ou nevoeiro, então tendem a dispersar-se pelo Bosque das Landas, um autêntico mar verde, aguardando as condições necessárias à sua viagem através das montanhas. Se estas não chegarem a verificar-se, a maioria dos torcazes permanece em França, até porque as áreas de montado de sobro e azinho na península e também naquele país, sofreram, no seu conjunto uma redução da ordem dos 30%, enquanto as plantações de milho no sul de França país aumentaram substancialmente, o que veio a alterar o comportamento das aves, criando condições para que os torcazes aí permaneçam, sem passarem para Portugal e Espanha.
Atravessados os Pirinéus, os pombos deslocam-se rapidamente na direcção de Portugal, em concreto na direcção dos montados de Alcácer do Sal, Palma e Grândola, onde chegam após alguns dias de viagem. Dependendo das condições meteorológicas e da abundância de comida (leia-se bolota de sobro ou lande), em média, a sua permanência nesta zona dá-se por todo o mês de Novembro, deslocando-se posteriormente para nordeste, quando se iniciam os ventos do quadrante norte. Embora com marcadas diferenças, por vezes entre anos consecutivos, aparecem então em zonas de caça tradicionais como Lavre, Sabugueiro, Ciborro, Mora, Montargil, Vimieiro, Alter do chão… Em finais de Dezembro já se encontram normalmente um pouco mais para norte: Monforte, Crato, Portalegre, Rosmaninhal e também na Serra de São Pedro, na Extremadura Espanhola.
Após prolongada invernagem na Península Ibérica, normalmente em finais de Fevereiro ou em Março, quando o inverno começa a terminar e chegam os primeiros dias de primavera, os pombos regressam. Sobrevoam novamente os Pirinéus, fazendo-o normalmente a grande altura e seguindo novamente na direcção das Landas francesas, para depois se dirigirem aos seus países de origem. Trata-se da migração pré-nupcial.
Nós, por cá, ficamos à espera que nos visitem de novo, a sonhar com bandos a perder de vista e, sobretudo, com AQUELAS caçadas.
Paulo Santana
Ref’s:
“Gifs – Grupo para a Observação da Vida Selvagem”
“Palombe et Tradition”
torcaces.com